19 de jan. de 2011

Emprego formal, Brasil anormal

Na Folha de S. Paulo hoje.

por
VINICIUS TORRES FREIRE



Nível de emprego formal cresceu e desemprego caiu mesmo com alta do salário mínimo nos anos Lula

SAIU ONTEM o balanço do emprego formal no último ano do governo Lula. Entre admitidos e demitidos, sobraram mais de 2,5 milhões de novos empregos com registro formal. Nos noticiários em "tempo real" havia uma discussão sobre uma manobra estatística do governo, que teria inflado o número -era manobra, mas não inflou. Mais interessante seria observar que o balanço positivo fornece mais um indicador do que, segundo uma vertente muito difundida das ideias econômicas, parece ser uma anomalia brasileira.
De acordo com tais ideias, muito comuns até pelo menos 2006, a economia brasileira não seria capaz de voar, dadas as suas deficiências aerodinâmicas-macroeconômicas. Quando era evidente que a economia decolava, era comum ouvir que se tratava de "voo de galinha", curto e destrambelhado, que terminaria logo em inflação ou deficit externo.
Mas até agora estamos vendo um voo de besouro, como diz outro clichê. Apesar de ainda uma aberração, o Brasil, no entanto, voa. Sim, a inflação passa do nível preocupante de 5% e o deficit externo é crescente. De qualquer modo, não se trata de números que requeiram um "pouso forçado", muito menos um "crash". Mesmo um ajuste pobrinho, como o que está sendo gestado pelo governo, deve ser bastante para fazer a economia ainda planar em segurança por dois ou três anos, ao menos.
O resumo da ópera é que, até mais ou menos 2006, imaginava-se que o Brasil não poderia crescer mais que uns 3% sem abalar suas estruturas. Esse seria o crescimento "normal", dada a taxa de investimento, a disponibilidade e a qualidade de mão de obra e a influência de outras variáveis, difícil de medir, mas educadamente chutada em modelos. Mas o fato é que, dada a enorme variação nos indicadores macroeconômicos básicos, a gente não sabe o que é "normal" do Brasil.
A taxa de desemprego era de uns 12% em 2003; está nuns 7% (ou passou de 10% para uns 7%, no dado nacional). A formalização do emprego cresceu nos últimos oito anos, assim como a renda média das famílias (31% em termos reais).
Tais coisas ocorreram num período em que o salário mínimo legal cresceu quase 50%, a inflação caiu de 15% para 5%, a taxa real de juros passou de 16% para 6%, a taxa de crescimento do PIB passou de uns 2% para mais de 4% na média dos quadriênios. Enfim, as contas externas não explodiram. Cereja desse bolo anômalo, a taxa de investimento ficou entre medíocres 16%-17% do PIB em 2003-06, foi a pouco mais de 18% em 2007, chegou ao nível de 20% em 2008 e por aí deve estar, ainda baixa.
Mais salário com inflação e juros reais cadentes; mais emprego formal e muito mais salário mínimo; mais PIB e investimento medíocre: essa conta não deveria fechar (em tese, tais coisas não poderiam ocorrer ao mesmo tempo). Mesmo torturando estatísticas com vários fatores possíveis do aumento da produtividade, o resultado do cálculo não é convincente. É difícil saber o que é crescimento normal do Brasil.
Que há limites, há, mesmo que a gente não acredite em bruxas. O sinal amarelo do superaquecimento econômico está bem aceso. Mas não é sinal de catástrofe, tal como o seria uma crise na China ou uma alta brutal de juros no mundo rico (juros que, nos anos Lula, foram bem inferiores aos da década anterior).